quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Consumo e indiferença


“Estamos diante de um dos maiores desafios do mundo moderno, que é controlar o consumo”
Fábio Feldman

Quando saí da Churrascaria onde almocei, um dia destes com uma amiga, lembrei-me imediatamente da frase acima. Pois apesar da excelência do cardápio oferecido, fiquei abismada com a quantidade de itens oferecidos. Havia todos os tipos de carne, peixe, camarão, etc. Como a gula é um pecado genial, sempre comemos além da conta. E, sempre saímos dali com a sensação de arrependimento, pois “os olhos são maiores do que a barriga” como ouvi sempre na infância.

De volta para casa não “havia uma pedra no meio do caminho”, mas sim, um homem catando comida no lixo. Como sempre, essas cenas me deixam muito triste.

Creio que além do consumo de muitas coisas materiais, devemos também, controlar a indiferença em relação a tantos problemas sérios como a fome, o subemprego, a corrupção que drena bilhões e bilhões de recursos que poderiam ser investidos em escolas decentes, hospitais dignos e moradia adequada. Temos que parar de achar que “Deus quer assim” ou “que sempre houve injustiças”. Um dia não havia anestesia e imagine as dores que as pessoas sofriam para arrancar um dente, por exemplo. Entretanto, descobriu-se na própria natureza substâncias que evitam a dor, quando a supressão da mesma é necessária. Existe tanto a fazer, porém ainda não achamos o caminho ou a forma de começarmos a mudar este mundo. A Humanidade já avançou em muitos aspectos e continuará avançando, entretanto, precisamos entender que fazemos parte de um todo e ajudar para que a soma das parcelas seja igual ao resultado.

E é maravilhoso recordarmos o poeta Castro Alves, jovem que nos deixou aos 24 anos e, que apesar de viver em uma fazenda tão longe da civilização, conseguiu desenvolver uma crítica social intensa, além de criar poemas maravilhosos, como o verso abaixo, que inicia o poema “Vozes d`África”
.***
Deus! Ó Deus, onde estás que não respondes!?
Em que mundo, em qu`estrela tu t´éscondes,
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde, desde então, corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?
***
E para terminar voltamos ao século XX para encontrarmos outro poeta, que também partiu cedo – Renato Russo.
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“Quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante”

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

O outro


“A dificuldade em lidar com os outros existe, apenas, por que não somos bem resolvidos com nós mesmos” William Ury

Um dos nossos maiores problemas, em minha opinião, é a incapacidade de vivermos em paz e harmonia. Buscar o controle emocional é um desafio. Quanto sofrimento inútil, quanta mágoa desnecessária seriam evitados se, entendêssemos, humildemente, que não podemos saber o que o outro pensa.

Entretanto, muitas vezes, baseados em nossos fantasmas, julgamos e condenamos, sem darmos ao “réu” a menor chance de defesa. Inconseqüentemente, repetimos comentários maldosos, sem avaliarmos o estrago que poderemos fazer a reputação de alguém.

Outro dia, tive coragem e disse a uma pessoa cujo esporte preferido é “atirar pedra na Geni”, que não estava nem um pouco interessada no assunto que ela estava me contando.

Sei que é um caminho árduo e cheio de recaídas, porém, precisamos treinar, para vivermos melhor e podermos abraçar o outro sem medo. Estamos sempre armados, sempre desconfiando de tudo e de todos. Precisamos plantar no nosso quintal uma semente de afeto real. Para mim é a única saída.

Como os poetas têm sempre algumas respostas, deixo este poema que nos fala sobre o CONVIVER.


***

O homem; as viagens


O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.
Lua humanizada: tão igual a Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto — é isto?
idem
idem
idem.
O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para te ver?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol,
falso touro espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
do solar a colonizar.

Ao acabarem todos
só resta ao homem(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.